domingo, 17 de abril de 2011

Cocô de gente, parte 2.

Como disse na parte 1, o fato é que não sei o que fazer para mudar o fato de que a quantidade de mendigos está cada vez maior...

Foto de um casal dormindo sobre o lixo no inverno de 2010

A foto, tirada no inverno de 2010, é de um casal de mendigos dormindo entre sacos de lixo, porque ali o frio estaria mais suportável. É uma imagem de dar dó. Vários pensamentos passam por minha mente, quando me deparo com imagens como essa.

O primeiro pensamento que me vem à mente é a condição social das pessoas que não tem onde morar, ou, se tem, escolheram morar na rua. A sociedade vai, dessa forma, se dividindo entre classes desniveladas cada vez mais incongruentes e, quanto mais o tempo vai passando, mais esse desnível entre as classes vai aumentando, provocando um abismo que chegará um dia a ser insuperável. Uma pessoa que vive na rua não tem perspectiva alguma, pois sem o conforto de um lar, sem ter a orientação de pessoas minimamente educadas (educadas, aqui, no sentido de ter tido uma formação familiar e escolar), sem a consciência de que uma mudança é possível, sem ter qualquer incentivo sobre sua capacidade (intelectual, de força de trabalho, de criatividade), sobra para ela a agressividade e a violência (recebidas e praticadas), a sobrevivência pela caridade alheia, pela esmola.

Eu costumava passar por um lugar onde havia uma mendiga grávida (por estupro? Por ter um marido? Onde ele estava?) e, algum tempo depois, passei a ver uma menina recém nascida (deu à luz na rua? Não sei). Pensei, e continuo pensando até hoje, quais serão as referências que essa pequenina terá, recém chegada, sendo inserida sem opções numa sociedade como a nossa, sem um lar e sem o contato com outros valores, outras possibilidades. Certamente, uma sociedade paralela àquela que se idealiza como uma boa sociedade.

Um segundo pensamento recorrente é a diferença. O convívio entre pessoas de origens diferentes é uma relação tensa. A tensão se dá desde a relação de uma família para outra, até extremos mais evidentes como os das classes sociais, porque pessoas de classes diferentes e regiões diferentes se comportam de maneira diferente e têm hábitos diferentes, desde o vestuário à forma de alimentação, aos hábitos culturais e às práticas com relação ao convívio social. Essas diferenças estão aí e são perceptíveis a olhos vistos (e sensível à flor da pele), embora muitos não têm consciência delas.

Podemos, daí, imaginar uma criança que nasça na rua, cuja diferença será ainda marcada pela completa falta de acessos como cidadã e pelo preconceito. Tudo o que lhe restará será o aprendido na rua, e o que para ela será natural e espontâneo parecerá, para o resto da sociedade, pura agressividade e violência.

O terceiro pensamento que me assombra é o fato de que me irrito profundamente com essa situação de desnível e com o fato de a rua estar cada vez mais cheia de cocô para todos os lados.

Mesmo que alguém opte, voluntariamente, por morar na rua, o que se passa em sua cabeça? Optar por viver numa situação de tamanha miséria é não ter perspectiva alguma na vida, ou não ter um equilíbrio mental e/ou emocional. Viver numa sociedade contemporânea não é fácil, com tantas atribuições e exigências, mas venho cumprindo minha parte e venho mantendo minha idoneidade. Embora haja momentos de sofrimento e angústia, tenho também meus momentos de muita alegria e realizações, o que equilibra o meu ‘estar na sociedade’. Sei que o fato de não discriminar os moradores de rua já é um fato bom. Mas não colaboro para que essa situação se perpetue, dando esmolas ou comida. Ajudo no que me pedirem, desde que a ajuda envolva uma possibilidade de conscientização, uma preparação que os oriente a mudar de vida, a explorar seus potenciais criativos. Digo ajuda de fato, não paliativos como fazer um discurso moralista na hora de comprar um pão, como vejo muitas vezes, ou bater um papo quando levar uma sopa... Sou professor, meu instrumento de ajuda é a transmissão dos conhecimentos que adquiri ao longo de muitos, muitos anos de estudo, investimento e experiência.

Mas, ao que me parece, esse tipo de ajuda têm sido dispensável tanto pelas autoridades, quanto pelos possíveis beneficiados com ela.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Cocô de gente, parte 1.

Há uns dez anos, quando mudei para a terra de Noel Rosa, esse belíssimo bairro de Vila Isabel, cheio de histórias e estórias, boemias e igrejas, tranquilidade e festas, samba de qualidade na minha janela, encontrei aqui algo que já não via mais em outros lugares: um andar na rua despreocupado, um chegar de madrugada sem medo. Morar numa esquina com bares e restaurantes em seus quatro cantos pode parecer ruim (e o é para alguns), mas era uma bênção. Apesar da proximidade com o Morro dos Macacos, o tal que derrubou um helicóptero, nada me tirava a tranquilidade de ir e vir sem precisar me preocupar com horário, graças ao bares e ao movimento constante.

As calçadas, onde constam partituras de músicas maravilhosas como Feitiço da Vila, de Noel e Vadico, eram sujas por cocô de cachorro e imediatamente limpas pelo dono do cachorro, que carregava um saquinho, educamente.

Mas de um tempo pra cá tem havido um declínio geral na educação do bairro... E tenho ouvido que se trata de um fenômeno que está atingindo muitos outros bairros. Cocôs foram surgindo por todo lado. Seria possível que os moradores estivessem deixando de catar os cocôs de seus cãezinhos de estimação, uma atitude peculiar e aprovada por todos??...

Infelizmente, foi muito fácil constatar que se tratava de cocô de gente. Dos mendigos que têm se multiplicado, triplicado, quadriplicado, nos últimos anos. O problema não é a quantidade de cocôs pela rua e o cheiro que isso deixa, principalmente em dias molhados. Nem a avalanche de abordagens por pedintes a cada dez passos. Vou a pé para o trabalho e é impressionante a quantidade de pedintes que me aborda num percurso de 10 a 15 minutos até chegar ao meu destino. O problema não é a agressividade que muitos desses pedintes adotam. Nem a tensão gerada nessas relações.

O problema é nosso emocional que fica esculhambado! Um misto de ódio e pena, de culpa por não fazer nada para mudar essa situação e a falta de culpa por não incentivar essa indústria...
Sou um cidadão que classificaria como precário. Pago meus altos impostos, meu aluguel (ainda não tive como comprar um imóvel), dou duro para conseguir pagar minhas contas e, isso fiz de caso pensado, moro perto do trabalho para não ter gastos com transporte, além do estresse em longas viagens de ônibus lotado com considerável perda de qualidade de vida.

Enquanto isso, pessoas que poderiam de fato ajudar a mudar essa situação estão se blindando em carros e se isolando em casas com cercas eletrizadas, ou edifícios-forte, com seguranças, filmadoras, grades e, claro, porteiros para encararem o front. Tanta precaução porque não estamos na Idade Média, ou Antiga, senão construiriam muralhas e fossos.

O fato é que não sei o que fazer para mudar isso. Gostaria de encontrar uma fórmula que me permitisse resolver, ou salvar, ao menos os mendigos de minha vizinhança...

terça-feira, 15 de março de 2011

Em quadros

Animo este blog com uma remissão de caráter pessoal. Hoje, mais um quadro foi pendurado numa parede de minha sala, completando de beleza a última parece nua. Uma parece sem quadro, ou qualquer enfeite que a embeleze, é como usar uma camiseta fina sem mangas num dia frio de inverno.


Mas não basta um quadro qualquer, comprado no mercado, para preencher os vazios da casa. Os vazios só são preenchidos com sentimentos e histórias. Então, devemos buscar um quadro que traga consigo um pouco de história, da sua história, que diga respeito à sua essência. Que haja nele algo que faz relembrar o momento de sua aquisição, que carregue em si toda a carga emocional nele despendida. 


Os quadros, assim como toda a forma de arte, por si, nos dizem muita coisa que não sabemos nomear. Minhas paredes são repletas de quadros de artistas amigos, e é impressionante o quanto eles dizem dos meus amigos e de mim mesmo.

sábado, 12 de março de 2011

Mensagem na Garrafa

Naufragado, esforçou-se em viver numa ilha distante. Distante das pessoas que o aborreciam, distante das coisas mundanas. Muitas garrafas surgiam do mar, todas sempre com algo dentro: umas algas, umas manchas de óleo, uns grãos de areia. Um dia surgiu boiando uma garrafa vazia, que desperdício!, pensou. Num ato de revolta, entrou na garrafa, forçando-a para o lado, atirando-a ao chão, fazendo-a rolar até a praia.




Lançou-se assim ao mar, destemido, à mercê de quem o encontrasse. Os dias foram longos e quentes; e as noites, escuras e frias; o mar gritou-lhe aos ouvidos, bateu, gemeu, estraçalhando-lhe os nervos. O oxigênio não era suficiente para tão longa viagem. Sofregou.


Quando, enfim, atingiu a outra margem, mantiveram-no ainda alguns dias preso, por questões fronteiriças. Seu corpo já doente não resistiu, e feneceu.


Dias depois, ao tirarem o lacre da garrafa, sua massa corporal havia se transmutado em folhas de papel, que traziam a derradeira mensagem: "SOS, naufraguei no auge da minha vida, não me deixem morrer à míngua. Viver aí é ruim, mas a solidão daqui é muito pior".




Até hoje não foi encontrado qualquer outro vestígio de sua existência.

Um post inicial obrigatório

Por motivos técnicos, retomo dois blogs antigos (já descontinuados) por aqui, juntando os dois.

Inicio este blog com uma história antiga, já publicada em meus outros blogs. Essa publicação serve apenas para ilustrar a inspiração para o título: O Homem na Garrafa.